O DISCO

Os poemas

Amália Rodrigues teve uma ligação profunda com a poesia portuguesa, dando voz a obras de grandes autores e popularizando-as através do fado. A sua ligação com os poetas portugueses não só enriqueceu o repertório do fado, mas também contribuiu para a popularização e valorização da poesia em Portugal e no mundo.

Interpretou poemas de Luís de Camões e de autores contemporâneos como Alexandre O’Neill, David Mourão-Ferreira e Pedro Homem de Mello, cujos versos, como “Povo Que Lavas no Rio”, se tornaram clássicos.

Amália também incentivou a criação de poesia para o fado, colaborando com nomes como Ary dos Santos. Ao unir o fado à alta poesia e à tradição popular, elevou o género a uma forma de arte universal, contribuindo para o seu reconhecimento como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela UNESCO.

Fado Português

Alain Oulman / José Régio

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus, adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faça uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.
 
Ora eis que embora outro dia
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Amália Rodrigues / Carlos Gonçalves

SilêncioDo silêncio faço um gritoO corpo todo me dóiDeixai-me chorar um pouco
 
De sombra a sombraHá um céu tão recolhidoDe sombra a sombraJá lhe perdi o sentido
 
Ao céuAqui me falta a luzAqui me falta uma estrelaChora-se maisQuando se vive atrás dela
 
E euA quem o sol esqueceuSou a que o mundo perdeuSó choro agoraQue quem morre já não chora
 
SolidãoQue nem mesmo essa é inteiraHá sempre uma companheiraUma profunda amargura
 
 
Ai, solidãoQuem fora escorpiãoAi, solidãoE se mordera a cabeça
 
AdeusJá fui pra além da vidaDo que já fui tenho sedeSou sombra tristeEncostada a uma parede
 
AdeusVida que tanto durasVem morte que tanto tardasAi, como dóiA solidão quase loucura
 
AdeusVida que tanto durasVem morte que tanto tardasAi, como dóiA solidão quase loucura
 

Alain Oulman / José Régio

Se uma gaivota viesseTrazer-me o céu de LisboaNo desenho que fizesse
Nesse céu onde o olharÉ uma asa que não voaEsmorece e cai no mar
 
Que perfeito coraçãoNo meu peito bateriaMeu amor na tua mãoNessa mão onde cabiaPerfeito o meu coração
 
Se um português marinheiroDos sete mares andarilhoFosse quem sabe o primeiro
A contar-me o que inventasseSe um olhar de novo brilho
No meu olhar se enlaçasse
 
Que perfeito coraçãoNo meu peito bateriaMeu amor na tua mãoNessa mão onde cabiaPerfeito o meu coração
 
Se ao dizer adeus à vidaAs aves todas do céuMe dessem na despedida
O teu olhar derradeiroEsse olhar que era só teuAmor que foste o primeiro
 
Que perfeito coraçãoMorreria no meu peitoMeu amor na tua mãoNessa mão onde perfeitoBateu o meu coração

Alain Oulman / David Mourão-Ferreira

Deste-me um nome de ruaDuma rua de LisboaMuito mais nome de rua,Do que nome de pessoaUm desses nomes de ruaQue são nomes de canoa.
 
Nome de rua quietaOnde à noite ninguém passaOnde o ciúme é uma setaOnde o amor é uma taçaNome de rua secretaOnde à noite ninguém passaOnde a sombra do poetaDe repente, nos abraça
Com um pouco de amarguraCom muito da madragoaCom a ruga de quem procuraE o riso de quem perdoa
 
Deste-me um nome de ruaDuma rua de Lisboa

Alain Oulman / Alexandre O’Neill

Minuciosa formiga
Não tem que se lhe diga
Leva a sua palhinha
Não tem que se lhe diga
Leva a sua palhinha
Asinha, asinha

Assim devera eu ser
Assim devera eu ser
Assim devera eu ser
Assim devera eu ser

Assim devera eu ser
E não esta cigarra
Que se põe a cantar
E não esta cigarra
Que se põe a cantar
E me deita a perder

Assim devera eu ser
De patinhas no chão
Formiguinha ao trabalho
De patinhas no chão
Formiguinha ao trabalho
E ao tostão

Assim devera eu ser
Assim devera eu ser
Assim devera eu ser
Se não fora não querer

Alain Oulman / Reinaldo Ferreira

Quem dorme à noite comigoQuem dorme à noite comigoÉ meu segredo, é meu segredoMas se insistirem, lhes digo
O medo mora comigoMas só o medo, mas só o medo
 
E cedo porque me embalaNum vai-vem de solidãoÉ com silêncio que fala
Com voz de móvel que estalaE nos perturba a razão
 
Gritar quem pode salvar-meDo que está dentro de mimGostava até de matar-me
Mas eu sei que ele há-de esperar-meAo pé da ponte do fim
 

Alain Oulman / David Mourão-Ferreira

Por teu livre pensamentoForam-te longe encerrar,
Tão longe que o meu lamentoNão te consegue alcançarE apenas ouves o ventoE apenas ouves o mar!
 
Levaram-te ao meio da noiteA treva tudo cobria
Foi de noite, numa noiteDe todas a mais sombriaFoi de noite, foi de noiteE nunca mais se fez dia!
 
Ai! dessa noite o venenoPersiste em me envenenar!
Oiço apenas o silêncioQue ficou em teu lugarE ao menos ouves o ventoE ao menos ouves o mar!
 

Alain Oulman / Gilbert Becaud

Toi qui marches dans le ventSeul dans la trop grande villeAvec le cafard tranquille du passantToi qu’elle a laissé tomberPour courir vers d’autres lunesPour courir d’autres fortunes l’important
L’important c’est la roseL’important c’est la roseL’important c’est la rose crois-moi
Toi qui cherches quelque argentPour te boucler la semaineDans la ville tu promènes ton ballantCascadeur, soleil couchantTu passes devant les banquesSi tu n’es que saltimbanque l’important
 
 
Toi, petit, que tes parentsOnt laissé seul sur la terrePetit oiseau sans lumière, sans printempsDans ta veste de drap blanc
Il fait froid comme en BohêmeT’as le coeur comme en carême et pourtant
 
Toi pour qui, donnant donnantJ’ai chanté ces quelques lignesComme pour te faire un signe en passantDis à ton tour maintenantQue la vie n’a d’importanceQue par une fleur qui danse sur le temps

Alberto Janes

Se cantoNão sei o que cantoMisto de venturaSaudade, ternuraE talvez amor
Mas sei que cantandoSinto o mesmo quandoSe tem um desgostoE o pranto no rostoNos deixa melhor
 
Foi DeusQue deu voz ao ventoLuz ao firmamentoE deu o azul às ondas do mar
Foi DeusQue me pôs no peitoUm rosário de penasQue vou desfiandoE choro a cantar
Fez poeta o rouxinolPôs no campo o alecrimDeu as flores à primaveraAi, e deu-me esta voz a mim
Deu as flores à primaveraAi, e deu-me esta voz a mim
Não sei, não sabe ninguémPor que canto o fadoNeste tom magoadoDe dor e de pranto
E neste tormentoTodo o sofrimentoEu sinto que a almaCá dentro se acalmaNos versos que canto
 
Foi DeusQue deu luz aos olhosPerfumou as rosasDeu oiro ao solE prata ao luar
Foi DeusQue me pôs no peitoUm rosário de penasQue vou desfiandoE choro a cantar
E pôs as estrelas no céuE fez o espaço sem fimDeu o luto as andorinhasAi, e deu-me esta voz a mim
 
 

A 24 de Maio de 2010 os Hoje lançavam um CD-DVD do concerto do dia 6 de Outubro de 2009, data em que se assinalou a primeira década desde o desaparecimento de Amália Rodrigues. 

O disco conta com três faixas inéditas:

  • Soledad;
  • Rasga O Passado;
  • Com Que Voz;

Fotografia

Nathalie Portela Schneider

Design Gráfico

Keko Ponte

Ideia, Produção & Arranjo

Nuno Gonçalves

Mistura

Angel Luján e Nuno Gonçalves nos Estúdios La Folie, Heatroom e Reno em Madrid;
Fado Português, Gaivota e Abandono misturado por Will O’Donovan em Dublin; 

Masterização

Ray Staff nos estúdios Air, em Londres;

Gravação

Estúdios La Folie, em Alcobaça por Nuno Gonçalves.
Bateria gravada por Nelson Carvalho, nos Estúdios Valentim de Carvalho, em Paço de Arcos.
Cordas gravadas nos Estúdios Angel, em Londres, em Dezembro de 2008.

Coro liderado por Isabel Jacobetty.

Cordas

London Session Orchestra — contratadas por Isobel Grifiths

1ºs Violinos

Perry Montague-Mason

2ºs Violinos

Warren Zielenski

Violas

Peter Lale

Violoncelos

Anthony Pleeth

Cópia do arranjo de Cordas

Rob Sneddon

Cordas gravadas

Niall Acott 

Bateria

Mário Barreiros

Contrabaixo

Pedro Wallenstein

Saxofones

Mário Marques

Trompete

António Morais

Trompa

Ângelo Correia

Flauta

Sónia Tavares

Baixo

Tiado Dias

Guitarras

Israel Costa Pereira

Guitarra Wha-Wha em Fado Português e Ebow em Foi Deus

Paulo Praça

Coro

Isabel Jacobetty, Catarina Saraiva, Nina Manso, Sofia Pedro, Gonçalo Abrantes, António Cruz, Filipe Leal, Manuel Rebelo, Alexandra Bernardo e Ana Raquel Santos.

Pianos, Programações, Xilofones, Acordeão e Melódica

Nuno Gonçalves